Discutir os resultados acerca dos efeitos do uso da eritropoietina humana recombinante (rHuEPO) sobre o desempenho físico, bem como relatar os efeitos adversos decorrentes desta prática, correlacionando os achados de estudos experimentais e clínicos.
MétodosForam selecionados artigos científicos publicados nas bases de dados PubMed e SciELO, no período de 1985‐2013, utilizando as seguintes palavras‐chaves: eritropoietina/erythropoietin, desempenho atlético/athletic performance, resistência física/physical endurance, efeitos adversos/adverse effects e doping nos esportes/doping in sports.
ResultadosTodos os estudos (n = 10) encontraram melhora nas variáveis de consumo máximo de oxigênio (VO2máx) e tempo de exaustão em humanos, utilizando diferentes protocolos de dosagens, que podem variar de 50‐60 UI/kg nas primeiras semanas, com redução ao longo do tratamento. Dentre as reações adversas mais frequentes estão os acidentes trombovasculares, deficiência de ferro e hipertensão arterial sistêmica.
ConclusãoO tratamento com rHuEPO em diferentes doses e períodos pode potencializar o desempenho físico de humanos, em virtude dos diferentes efeitos gerados, incluindo aumento no transporte de O2, redução das concentrações de lactato sanguíneo, aumento das concentrações de ácidos graxos livres no sangue e do glicogênio muscular.
Discutir los resultados relativos a los efectos del uso de la eritropoyetina humana recombinante (rHuEPO), sobre el rendimiento físico, así como los efectos adversos de su uso, así como la relación de los resultados de estudios experimentales y clínicos.
MétodosSe seleccionaron los artículos científicos publicados en revistas incluidas en PubMed y SciELO, en el período de 1985‐2013, usando las siguientes palabras clave: eritropoietina/erythropoietin, desempenho atlético/athletic performance, resistência física/physical endurance, efeitos adversos/adverse effects e doping nos esportes/doping in sports.
ResultadosTodos los artículos (n = 10), en relación con la influencia del tratamiento con rHuEPO en el rendimiento deportivo, mostraron una mejoría en las variables de consumo máximo de oxígeno (VO2máx) y el tiempo hasta el agotamiento en seres humanos, utilizando diferentes protocolos de dosis, que oscilan desde 50‐60 UI/kg en las primeras semanas con reducción progresiva durante el tratamiento. Entre los efectos adversos más frecuentes se encuentran los accidentes vasculares trombóticos, la ferropenia y la hipertensión arterial.
ConclusiónEl tratamiento con dosis de rHuEPO y en diferentes períodos puede mejorar el rendimiento físico en los seres humanos, debido a los diferentes efectos generados, incluyendo el aumento del transporte de O2, la reducción de las concentraciones de lactato en sangre, aumento de las concentraciones de ácidos grasos libres en la sangre y glucógeno muscular.
Discuss the influence of rHuEPO on physical performance, as well as the adverse effects of this practice, exposing results from experimental and clinical studies.
MethodsWere selected articles published in the basis, PubMed and SciELO databases, in the period 1985‐2013, using the following keywords eritropoetina/erythropoietin, desempenho atlético/athletic performance, resistência física/physical endurance, efeitos adversos/adverse effects e doping nos esportes/doping in sports.
ResultsAll articles (n = 10) related to the influence of treatment with rHuEPO on sports performance, found improvement in the variables of maximal oxygen uptake (VO2max) and time to exhaustion in humans, using different protocols dosages between 50 to 60 IU/kg during the first weeks with reduced throughout treatment. Among the most common adverse effects are the thrombovascular accidents, iron deficiency and hypertension.
ConclusionTreatment with rHuEPO doses and at different periods, can enhance physical performance in humans, because of the different generated effects, including increased O2 transport, reduction of blood lactate concentrations, increased concentrations of free fatty acids in the blood and muscle glycogen.
A eritropoietina humana recombinante (rHuEPO) é uma glicoproteína altamente purificada, composta por uma sequência de aminoácidos idêntica à da eritropoietina (EPO) endógena 1 . Esta substância tornou‐se comercialmente disponível a partir de 1988 2 e o tratamento com a rHuEPO contribuiu para minimizar o número de transfusões de sangue de pacientes com anemia 3 .
Em virtude da dificuldade de detecção e diferenciação entre a rHuEPO e a EPO endógena, bem como do uso da técnica natural de hipóxia (HIF) intermitente, que desencadeia aumento da produção de EPO no organismo 4 , a rHuEPO passou a ser utilizada de forma indiscriminada por atletas 5 com o objetivo de melhorar o desempenho físico, embora o uso indiscriminado tenha sido oficialmente proibido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 1990 6 .
A literatura reporta que a administração subcutânea de rHuEPO, em diferentes doses, pode aumentar o VO2máx e tempo de exaustão de humanos 7–9 e alterar as concentrações de lactato sanguíneo 10–12 . Além disso, já foi descrita a presença de receptores de EPO (rEPO) em vasos sanguíneos, na musculatura esquelética, em testículos e em algumas linhagens celulares neoplásicas, o que sugere a sua potencialidade também como alvo terapêutico 13–15 e foi demonstrado que o tratamento com o hormônio recombinante pode provocar efeitos neurais, potencializando o desempenho sem alterar a produção de eritrócitos 16 .
No entanto, os efeitos desencadeados por este hormônio não se restringem ao desempenho físico e, neste sentido, já foi demonstrado que a administração de rHuEPO pode causar aumento excessivo do hematócrito e da viscosidade sanguínea, reduzindo o débito cardíaco 18,19 . Por este motivo, sabe‐se que as reações adversas mais frequentes relacionadas ao tratamento com rHuEPO são hipertensão arterial sistêmica e acidente trombovascular 20 .
Com base no pressuposto, a presente revisão objetivou discutir os resultados acerca dos efeitos do uso da rHuEPO sobre o desempenho físico, abordando, inclusive, as alterações fisiológicas pouco discutidas na literatura, que vão além dos clássicos relacionados a eritropoiese e que também ajudam a explicar o aumento do rendimento atlético. Além disso, visando alertar e conscientizar atletas e profissionais do meio esportivo sobre os riscos causados pelo uso de rHuEPO, o estudo buscou relatar os principais efeitos adversos decorrentes desta prática, correlacionando os achados de estudos clínicos e experimentais.
MétodosO presente trabalho de revisão sistemática utilizou as bases de dados PubMed e SciELO para selecionar os artigos científicos de interesse, no período de 1985‐2013. As palavras‐chave para seleção dos estudos foram pesquisadas, tanto em língua portuguesa, quanto em língua inglesa, como segue: eritropoietina/erythropoietin, desempenho atlético/athletic performance, resistência física/physical endurance, efeitos adversos/adverse effects e doping nos esportes/doping in sports.
No total encontraram‐se 1.083 estudos, no entanto, após os critérios de exclusão e inclusão chegou‐se a 76 referências. Os critérios de exclusão adotados foram de artigos científicos relacionados somente ao uso terapêutico da rHuEPO, não apresentando, portanto, nenhum efeito relacionado a capacidade física e/ou adverso do hormônio recombinante. Os critérios de inclusão foram de estudos contendo variáveis relacionadas ao desempenho atlético e de efeitos adversos em humanos e animais, tratados com rHuEPO.
Eritropoietina: estrutura, síntese e funçãoA EPO é composta por 165 aminoácidos com peso molecular em torno de 30 Kilodalton (kDa). É formada em sua maioria (40%) por carboidratos e 2‐4 cadeias sialiladas podem estar presentes em sua estrutura 21–23 . A fim de evitar que esta seja depurada pelo fígado antes de alcançar o alvo fisiológico, os resíduos de ácido siálico constituem um sinalizador biológico da EPO 24 .
Este hormônio é sintetizado nos rins (90% da produção) e no fígado (10%) 20 , com meia vida de aproximadamente 8 horas 22 , quando liberada, liga‐se aos seus receptores (rEPO) na superfície dos precursores das células vermelhas (BFU‐e, CFU‐e, eritroblastos) localizados na medula óssea. Essa glicoproteína, além de prolongar a sobrevivência dessas células, também inibe a apoptose das células precursoras induzindo a proliferação e diferenciação das mesmas 25–27 .
A transcrição da EPO é potencializada por meio da ativação do fator de transcrição induzível por HIF. A subunidade HIF‐1α quando inibida, pode associar‐se à subunidade HIF‐1β formando um heterodímero que se desloca para o núcleo da célula, com o intuito de ativar a transcrição do gene. No entanto, este mecanismo não é somente ativado frente à HIF, mas também por outros estímulos que incluem a hipoglicemia, o aumento de cálcio intracelular, bem como a liberação de insulina, estrogênios, esteroides anabólicos e de várias citocinas como as interleucinas 1 e 6, capazes de aumentar a concentração de EPO e a expressão dos rEPO, a fim de desencadear efeitos biológicos em células hematopoiéticas 28–30 .
A expressão do rEPO também é descrita em células vasculares, musculares lisas, mioblastos, testículos e em linhagens de células tumorais 14,15 , porém com efeitos diferentes daqueles desencadeados no tecido hematopoiético. O aumento da expressão de rEPO nas células musculares está associada à indução de proliferação celular, e no sistema nervoso central, a EPO produzida por astróctitos, desempenha papel importante na resposta às lesões neuronais 27,30 .
Os rEPO fazem parte da classe de receptores ligados às citocinas tipo I, onde a ligação do hormônio a eles resulta em dimerização e ativação de diferentes cascatas de sinalização intracelular 27 . A ativação do receptor ligado à janus tirosina quinase 2 (Janus tyrosine kinase ‐ JAK2), responsável por propagar o sinal, ativará o sinal secundário de transdução de moléculas, incluindo os transdutores e ativadores da transcrição 5 (Signal transducer and activator of transcription ‐ STAT5), proteínas quinase mitógeno ativadas (Mitogen activated protein kinase ‐ MAPK) e fosfatidilinositol‐3‐quinase (Phosphatidylinositol‐3‐kinase ‐ PI3K) 25,27,31 .
A ativação da JAK2 induz a fosforilação da tirosina e dimerização de STAT. Este mecanismo de ação, envolvendo a transdução de sinal por vias como JAK2/STAT5 do sistema de proteína G (RAS), canal de cálcio e quinases (fig. 1) é responsável pelos efeitos da EPO sobre a eritropoiese, diferenciação, proliferação e sobrevivência celular, bem como pela ativação de mecanismos antiapoptóticos 25,31 .
Mecanismo de ação da eritropoietina responsável pela eritropoiese. A ativação da JAK2 (Janus tyrosine kinase) induz a fosforilação da tirosina e dimerização de STAT (Signal transducer and activator of transcription), desencadeando a transdução do sinal por vias como JAK2/STAT5 do sistema, RAS (proteína G), canal de cálcio e quinases (adaptado de Ng et al. 31 ).
A EPO tem a capacidade inerente de estimular a produção de hemácias e de hemoglobina, aumentando consequentemente a oxigenação tecidual 23 , principalmente em situações de HIF e mediante ao treinamento físico em grandes altitudes 32 .
Eritropoietina humana recombinanteEm 1988 a rHuEPO tornou‐se comercialmente disponível, após evidências de que ela poderia minimizar a necessidade da transfusão de sangue e ainda melhorar o bem estar de pacientes anêmicos com doença renal crônica 2,33 . A sua identificação foi possível através do uso da tecnologia do ADN recombinante e hoje sabe‐se que o gene da EPO humana situa‐se no cromossomo 7q11‐22, constituído por 5 éxons e 4 íntrons, responsável pela síntese de polipeptídio pós‐transcricional contendo 193 aminoácidos 34 .
Durante a modificação pós‐traducional, a glicosilação ocorre com a adição de 3 N‐ligados (em Asn‐24, Asn‐38 e Asn‐83) e uma O‐ligados (Ser‐126) oligossacáridos ácidas, a formação de 2 ligações dissulfureto em Cys‐7 para Cys‐161 e em Cys‐29 para Cys‐33, concomitante a remoção de 27 aminoácidos. Acredita‐se que a Arg‐166 no COOH terminal é clivada antes da liberação da EPO na circulação, com a estrutura primária de um EPO madura e, portanto, rHuEPO, contendo 165 aminoácidos 35 .
Existem algumas formas comerciais de rHuEPO disponíveis no mercado para uso terapêutico, tais como, epoetina alfa, epoetina beta e epoetina ômega. O método de síntese determina a classificação das mesmas e enquanto as epoetinas alfa e beta são sintetizadas a partir de células ovarianas de hamster chinês, a epoetina ômega é produzida em células renais de filhote de hamster 36,37 .
A administração da rHuEPO pode ser feita pelas vias subcutânea (SC), intravenosa (IV) e intraperitoneal (IP). A via SC apresenta diversas vantagens sobre a via IV, principalmente por ser desnecessário o estabelecimento do acesso venoso para administração e redução de até 30% da dose semanal em pacientes sob hemodiálise 38 .
Doping e eritropoetina humana recombinanteApós os Jogos Olímpicos de Inverno de Calgary e Jogos Olímpicos de Seul, esportistas de modalidades em que prepondera o metabolismo aeróbio, como ciclismo, esqui de fundo, maratona, triátlon, entre outros, passaram a utilizar abusivamente a rHuEPO, visando a melhora do desempenho atlético6 10,39,40 . Esta prática sem supervisão médica foi oficialmente proibida pelo COI em 1990 6 .
A detecção da rHuEPO tem sido realizada por métodos diretos, que identificam substâncias exógenas com base nas suas propriedades físico‐químicas, ou métodos moleculares que reconhecem transgenes de EPO diretos e indiretos, baseando‐se nos biomarcadores hematológicos 41,42 . No entanto, alguns fatores limitam a investigação precisa da rHuEPO, como por exemplo, análogos deste hormônio, doping genético 42 e diferenciação entre rHuEPO e EPO endógena, devido à sua complexidade estrutural, presença de baixas concentrações nos fluidos biológicos e estrutura química bastante semelhante a de sua forma endógena 5 . Lunby et al. 43 ainda ressaltam que inicialmente a rHuEPO pode ser detectada, mas que após o período de administração esta detecção torna‐se dificultada.
O próximo período corresponde à volta da transfusão sanguínea como alternativa indetectável para o doping envolvendo a rHuEPO, que foi consumada pela operação Puerto em 2006. Apesar da especificidade do teste de detecção direta (Isoelectric focusing test ‐ IEF), os laboratórios observaram padrões irregulares do hormônio, identificados como urina ativa e urina de esforço. Além disto, no boletim oficial da auditoria, perfis indetectáveis de EPO foram relatados com o uso do IEF 44 . Por outro lado, casos positivos de biossimilares de EPO e ativadores contínuos de receptores de eritropoiese (Continuous erythropoiesis receptor activator ‐ CERA) foram reportados em 2007 45 .
Em meados de 2010 e 2011 teve início uma investigação relacionada à eficiência da combinação de agentes químicos para estabilização de perfis de esteroides endógenos e da gonadotrofina coriônica humana na urina, servindo para o controle de doping. Porém, estudos adicionais serão necessários para a validação do método 45 . Em setembro de 2011 a WADA lançou o «passaporte biológico» que se refere a um mapeamento das variáveis biológicas de atletas, visando detectar variáveis fisiológicas anormais e o uso de substâncias ilícitas. No entanto, este sistema ainda não foi validado 46 .
Embora a rHuEPO esteja disponível no mercado há mais de uma década, o IEF proposto antes dos Jogos Olímpicos de Sydney veio substituir os testes secundários que eram utilizados. Esta metodologia permitiu identificar o primeiro caso positivo de uso da rHuEPO em 2001, seguido pela primeira detecção oficial do uso do novo estimulador de proteína da eritropoiese (Novel erythropoiesis stimulating protein ‐ NESP), um ano depois 24,45 .
Diversos avanços relacionados à utilização da técnica de focalização isoelétrica para identificação da EPO permitem atualmente identificar diferenças sutis entre a glicosilação e sialilação, e desta forma possibilitam a diferenciação entre análogos endógenos e a rHuEPO recombinante. Os estudos destacam que este método foi internacionalmente aceite para a detecção de estimuladores da eritropoiese (ESA), usando um anticorpo monoclonal antiEPO altamente sensível, o AE7A5 34 .
Efeitos da eritropoietina humana recombinante sobre o desempenho esportivoJá está bem estabelecido que o tratamento com a rHuEPO aumenta a série vermelha sanguínea 37 . Robach et al. 47 por exemplo, relataram aumento significativo da concentração de hemoglobina (Hb) e do hematócrito em humanos, a partir do décimo dia de tratamento com rHuEPO, em resposta à administração diária de 65 UI/kg. Ashenden et al. 48 também relataram aumento desses 2 componentes, após administração de rHuEPO em doses variáveis, alterando a cada 4 semanas 10, 20, 30 UI/kg. Adultos saudáveis tratados em dias alternados, com 65 UI/kg de rHuEPO, por um período de 16 dias, também apresentaram aumento significativo de hemoglobina e eritrócitos 39 . Da mesma forma, Lundby e Robach 49 encontraram aumento a partir da quinta semana de tratamento e Ninot, Connes, Caillaud 50 também encontraram aumento do hematócrito e de Hb, em indivíduos treinados durante 6 semanas (3 primeiras semanas ‐ 50 UI/kg e nas 2 subsequentes ‐ 20 UI/kg).
Dentre os estudos envolvendo animais de experimentação, também foi encontrado aumento significativo de hematócrito em ratos tratados com rHuEPO e submetidos ao treinamento aeróbio por 30 min com sobrecarga de 5% do peso corporal 10 . Da mesma forma, Verbrugge e Goodnough 51 observaram aumento da série vermelha em ratos submetidos ao treinamento físico aeróbio com o auxílio de rodas motorizadas e tratamento com rHuEPO.
Em relação aos efeitos deste hormônio recombinante sobre o desempenho esportivo é importante ressaltar que este é um fenômeno que não depende somente do aumento da série vermelha do sangue, mas sim de uma combinação de diversos processos e fatores intrínsecos e extrínsecos 52 . Em modalidades esportivas aeróbias, tais como corrida de longa distância, ciclismo ou esqui cross country, o principal fator que determina o desempenho físico é a eficiência relacionada ao transporte e utilização de O2 pela musculatura esquelética (VO2máx), durante o exercício. Esta utilização é dependente da concentração total de Hb, do débito cardíaco e da diferença de O2 arteriovenosa (fig. 2) 53 .
Parâmetros que determinam a capacidade aeróbia (adaptado de Jelkmann e Lundby 53 ).
Foi demonstrado que a rHuEPO administrada em doses reduzidas durante 12 semanas (50 UI/kg durante as 3 primeiras semanas e 20 UI/kg nas 5 semanas subsequentes) foi suficiente para manter os eritrócitos e o VO2máx em níveis elevados de atletas amadores 54 . O aumento de hematócrito, Hb e VO2máx após administração deste hormônio também foi observado por Lundby et al. 55 . Da mesma forma, Thomsen et al. 56 , após avaliarem homens saudáveis tratados com rHuEPO (50 UI/kg), relataram, além do aumento de hematócrito, Hb, VO2máx (12 e 11,6% nas semanas 4 e 11, respectivamente) e aumento de 54% no tempo de exaustão. Além disto, Wilkerson et al. 57 encontraram em jovens, 4 semanas após o tratamento com rHuEPO (150 UI/kg), aumentos significativos de Hb e VO2pico, sem efeito significativo sobre a cinética do VO2, quando comparado ao grupo controle.
Recentemente Durussel et al. 58 avaliaram os efeitos da rHuEPO (50 UI/kg) em homens treinados, por 4 semanas. Tanto o tempo no teste de 3.000 m (10:30 ± 1:07 min:seg vs. 11 min08 ± 1:15 min:seg), quanto o VO2máx (56,0 ± 6,2 mL.min−1.kg−1 vs. 60,7 ± 5,8 mL.min−1.kg−1) dos indivíduos, foram significativamente melhorados após a quarta semana de tratamento, bem como, permaneceram maximizados após 4 semanas do término da administração, com 10:46 ± 1:13 min:seg e 58,0 ± 5,6 mL.min−1.kg−1, respectivamente.
Dos 10 artigos envolvendo VO2máx e tempo de exaustão de humanos tratados com rHuEPO, todos relataram melhoria destas variáveis (tabela 1). Estes resultados indicam que o tratamento com rHuEPO, com doses e períodos diferenciados, podem potencializar a condição aeróbia de indivíduos treinados e/ou de atletas. A principal explicação para isso se dá pela capacidade aumentada de transportar O2 no sangue, no entanto, como já apresentado, a capacidade aeróbia depende de vários outros fatores 53,56 .
Efeitos da eritropoietina humana recombinante sobre o conteúdo de eritrócitos e hemoglobina, consumo máximo de oxigênio (VO2máx) e tempo de exaustão, em humanos submetidos a diferentes protocolos de administração
Autores | População | Regime de administração do hormônio | Hemoglobina | VO2máx | Tempo de exaustão |
---|---|---|---|---|---|
Audran et al. 7 | 9 atletas | 50 UI/kg ‐ 26 dias. | ↑S | ↑S | --‐ |
Russell et al. 54 | 21 atletas: 9 mulheres e 12 homens | Grupo EPO + IV: 1‐3 sem. ‐ 50 UI/kg; 4‐8 sem. ‐ 20 UI/kg; A cada 15 dias ‐ 100 mg Fe; Grupo EPO + OR: 1‐3 sem. ‐ 50 UI/kg; 4‐8 sem. ‐ 20 UI/kg; 105 mg Fe/diariamente | --‐ | EPO + IV e EPO + OR: ↑S nas sem. 4, 8 e após última aplicação; Grupo placebo sem alteração | --‐ |
Juel et al. 68 | 8 homens saudáveis | 1‐2 sem. ‐ 60 UI/kg | --‐ | ↑ 8,1% na sem. 11 | ↑54% |
1 dose a cada 2 dias; 3 sem. ‐ 60 UI/kg | |||||
3 doses em 3 dias; 4‐13 sem. ‐ 60 UI/kg | |||||
1 dose por sem.; 100 mg Fe/diariamente | |||||
Thomsen et al. 56 | 16 homens saudáveis | 1‐2 sem. ‐ 60 UI/kg; 1 dose a cada 2 dias; 3 sem. ‐ 60 UI/kg | ↑S na sem. 4 e 11 | ↑S nas sem. 4 e 11 | ↑54% |
3 doses em 3 dias; 4 ‐ 13 sem. ‐ 60 UI/kg | |||||
1 dose por sem.; 100 mg Fe/diariamente | |||||
Lundby et al. 55 | 8 homens saudáveis | 1‐2 sem. ‐ 60 UI/kg | --‐ | --‐ | --‐ |
1 dose a cada 2 dias; 3 sem. ‐ 60 UI/kg | |||||
3 doses em 3 dias; 4‐15 sem. ‐ 60 UI/kg | |||||
1 dose por sem.; 100 mg Fe/diariamente | |||||
Lundby e Robach 49 | 8 homens saudáveis | 1‐3 sem. ‐ 60 UI/kg | ↑S a partir da sem. 5 | ||
3 a 4 doses semanais; Próximas 11 sem. – 60 UI/kg | |||||
1 dose semanal | |||||
Rasmussen et al. 62 | 15 homens saudáveis | Grupo 3 dias: ∼402 UI/kg | --‐ | --‐ | ↑ |
2 doses em 3 meses; Grupo 3 meses: ∼60 UI/kg | |||||
1 e 2 sem. ‐ 1 dose por dia; 3‐13 sem. ‐ 3 doses por sem. | |||||
Durussel et al. 58 | 19 homens saudáveis | 50 UI/kg ‐ a cada 2 dias por 4 sem.; ∼100 mg de Fe/4 sem. | ↑S a partir da sem. 2 | ↑S após sem. 4 | ↑S após sem. 4 |
↑S: aumento significativo; IV: intravenosa; OR: oral; sem.: semanas.
Com isso, o presente trabalho de revisão, buscou outras explicações para a melhora do rendimento esportivo, decorrente dos efeitos da rHuEPO. Um relato interessante foi de que indivíduos treinados aerobicamente são altamente sensíveis aos efeitos da rHuEPO em sua aptidão física, e ainda, que este hormônio pode até mesmo, alterar parâmetros emocionais e comportamentais, relacionados ao prazer, autoestima e aumento da libido 50 .
Outros achados também ajudaram a esclarecer os efeitos deste hormônio recombinante sobre o rendimento físico. Estudos demonstraram que a rHuEPO pode também influenciar o metabolismo anaeróbio, através da avaliação do lactato sanguíneo 10‐12 , substrato determinante do limiar anaeróbio, considerado um importante biomarcador para prescrição e monitoramento do treinamento 59,60 . Foi observado aumento no transporte de lactato, mediado por transportadores monocarboxilato 1 e 4 em eritrócitos, após tratamento com rHuEPO em seres humanos 11 , assim como menores concentrações de lactato em resposta a exercícios com intensidades variando de 60‐100% do VO2máx, em atletas, após 8 semanas de tratamento com rHuEPO 54 .
Lavoie et al. 10 encontraram em animais tratados com rHuEPO, após 30 min de natação com sobrecarga adicional de 5% do peso corporal, maiores concentrações de ácidos graxos livres no sangue e de glicogênio muscular, com menores concentrações de lactato sanguíneo. Estes resultados evidenciam que a utilização do substrato energético durante o exercício é afetada pela maior disponibilidade de oxigênio e menor produção energética pelo metabolismo anaeróbio.
Além destes efeitos, Cayla et al. 61 observaram que ratos treinados e tratados com rHuEPO apresentam aumento das atividades específicas de enzimas oxidativas, citocromo C oxidase e L‐3‐hidroxiacil‐CoA desidrogenase e fosfofrutoquinase, no musculoesquelético. Estes achados sugerem que a administração de rHuEPO possa levar ao aumento da resistência muscular esquelética e oxigenação de todos os tecidos. Lundby et al. 13 , por sua vez, observaram que os rEPO estão presentes na vasculatura e fibra muscular esquelética e ainda que uma única injeção de rHuEPO (200 UI/kg) é capaz de reduzir a expressão de RNA mensageiro (RNAm) de mioglobina, de receptores de transferrina e de rHuEPO.
Há evidências de que a rHuEPO, quando administrada em altas doses, pode atravessar a barreira hemato‐encefálica, contribuindo para redução da fadiga central e melhora da cognição, de modo a aumentar a capacidade de exercício independente da eritropoiese. Entretanto, o rendimento físico e cognitivo dos indivíduos não foi alterado, sugerindo que o efeito ergogênico se dê exclusivamente por meio do aumento da capacidade em transportar O2 no sangue 62 . Em contrapartida, Schuler et al. 16 destacam que o tratamento com rHuEPO pode provocar efeitos neurais, potencializando o desempenho físico, sem necessariamente alterar a produção de células vermelhas do sangue.
Estudos recentes vêm demonstrando que a rHuEPO também pode ajudar no tratamento do diabetes e da obesidade 63 . Foi observada redução da glicemia em ratos tratados com rHuEPO, em virtude, principalmente, de um aumento da atividade do transportador de glicose 4 (GLUT4) 64 . Mikolás et al. 64 observaram também perda de peso em animais tratados com rHuEPO. Além disto, Christensen et al. 65 , após investigarem os efeitos da administração aguda de rHuEPO sobre o metabolismo da sensibilidade à insulina em indivíduos jovens saudáveis, observaram aumento do gasto energético em resposta à administração de uma única dose do hormônio (400 UI/kg). Adicionalmente, já foi relatado que a rHuEPO está relacionada com a prevenção de lesão renal aguda, em um modelo experimental de treinamento físico de alta intensidade, em virtude de seu efeito antiapoptótico 66 .
Apesar de grande parte dos estudos mostrar a importante influência da rHuEPO sobre diversos parâmetros fisiológicos, alguns trabalhos relataram a inexistência dos efeitos do hormônio sobre variáveis que poderiam maximizar o desempenho físico.
Um estudo que examinou diversos registros de ciclistas em períodos rotulados de epidemia da rHuEPO, encontrou resultados de desempenho normalmente distribuídos e linearmente relacionados, quando comparados a períodos não epidêmicos. Apesar dos resultados não serem conclusivos, devido à falta de variáveis biológicas dos atletas analisados, os autores relataram que os efeitos da rHuEPO sobre os resultados de ciclistas profissionais podem ser superestimados 67 .
De acordo com Juel et al. 68 , o uso prolongado de rHuEPO não pode explicar o aumento do desempenho, corroborando com um único estudo que não observou efeito significativo sobre a velocidade máxima aeróbia em ratos, após administração de rHuEPO por 3 semanas 69 . Acredita‐se que o período de tratamento deste estudo tenha sido insuficiente para alterar a condição aeróbia dos animais, uma vez que grande parte dos estudos encontrados observou os efeitos do hormônio, a partir da quarta semana de tratamento (tabela 1).
Por fim, vale ressaltar que o tratamento com rHuEPO parece não influenciar os efeitos relacionados a adaptações musculares esqueléticas, incluindo, hipertrofia, biogênese mitocondrial, miogênese e angiogênese em diferentes tipos de fibras musculares 13,69 .
Efeitos adversos decorrentes do uso indiscriminado da eritropoietina recombinante humanaOs riscos decorrentes da administração da rHuEPO já foram relatados há algumas décadas, como o caso de mortes durante repouso envolvendo ciclistas no início dos anos 90 em competição na Europa 6 . Os atletas que abusam deste hormônio recombinante geralmente consideram apenas o benefício ao desempenho e ignoram os eventuais efeitos adversos acurto e longo prazo 70,71 . Por este motivo, alguns programas de conscientização sobre os efeitos colaterais foram criados de modo a minimizar a utilização indiscriminada deste hormônio no meio esportivo 72 .
Sabe‐se que os atletas apresentam predisposição à hemoconcentração em virtude da desidratação que ocorre frequentemente após o esforço físico. Com isso, a administração da rHuEPO potencializaria este efeito desencadeando aumento excessivo do hematócrito, da viscosidade sanguínea e redução do débito cardíaco 18,19 . Além disto, estudos relataram que o tratamento com rHuEPO pode desencadear hipertensão em indivíduos e em atletas, em virtude justamente do aumento da viscosidade sanguínea 55,62 e ainda que as reações adversas mais frequentes relacionadas ao tratamento com rHuEPO são os acidentes trombovasculares, deficiência de ferro e hipertensão arterial sistêmica 20,73 .
Meziri et al. 74 destacaram que a administração crônica de rHuEPO pode gerar graves efeitos colaterais cardiovasculares e desta forma os autores estudaram a rHuEPO e sua associação com o óxido nítrico, supondo que este pode proteger os efeitos nocivos cardiovasculares, em ratos treinados. Os resultados mostraram que o exercício impediu o aumento da pressão arterial induzida por um inibidor da síntese de óxido nítrico (170 ± 5 mmHg) e que os animais treinados e tratados com rHuEPO e óxido nítrico desenvolveram hipertensão arterial grave (228 ± 9 mmHg), sugerindo que a utilização de rHuEPO no esporte, a fim de melhorar o desempenho físico, representa um fator de risco elevado e fatal, especialmente com preexistência de risco cardiovascular.
No mesmo sentido, Piloto et al. 71 , após avaliarem os efeitos da rHuEPO sobre alterações cardiovasculares em ratos submetidos ao exercício aeróbio crônico, relataram que o tratamento hormonal aumenta não só o número de células vermelhas, mas também pode acarretar outras modificações cardiovasculares graves, tais como hipertrofia do miocárdio, hipertensão, hiperatividade simpática e serotoninérgica.
Apesar dos efeitos colaterais decorrentes de seu uso indiscriminado, sabe‐se que a administração de doses fisiológicas de rHuEPO é benéfica no tratamento de diversas doenças. Neste sentido, já foi demonstrado que a insuficiência cardíaca congestiva por anemia pode ser minimizada pelo tratamento da rHuEPO subcutânea e ferro endovenoso, melhorando assim a dispneia, fadiga, função cardíaca, função renal e capacidade de exercício, reduzindo a necessidade de hospitalização e melhorando a qualidade de vida 75,76 .
Recomendações finaisOs estudos mostraram que o tratamento com rHuEPO, sob protocolos com diferentes dosagens e tempo, promove alterações da série vermelha do sangue, aumentando os níveis de eritrócitos e de Hb, tanto em humanos, quanto em animais.
Em relação aos efeitos deste hormônio recombinante sobre o desempenho atlético, todos os estudos (n = 10) encontraram aumento do VO2máx e tempo de exaustão, em humanos, na quarta semana de tratamento. Interessantemente, um estudo com animais não encontrou efeito significativo da capacidade aeróbia, utilizando apenas 3 semanas de administração. Assim, os achados indicam que o período ideal para obter‐se uma ação representativa da rHuEPO sobre variáveis do desempenho físico é de, no mínimo, 4 semanas de tratamento.
Pelo fato dos estudos utilizarem diferentes protocolos de dosagens, o entendimento e a padronização das doses, que supostamente potencializaria o desempenho atlético com maior eficácia, foram dificultados. No entanto, observou‐se que grande parte dos estudos utiliza de protocolos, incluindo doses de 50 e 60 UI/kg, nas primeiras semanas, com redução ao longo do tratamento.
Apesar dos estudos atribuírem a melhora do desempenho em razão da rHuEPO maximizar o transporte de O2 no sangue, a presente revisão buscou apresentar outros efeitos da rHuEPO que ajudassem a explicar este fenômeno, uma vez que este efeito, isoladamente, é insuficiente para explicar o rendimento atlético, que depende de vários outros fatores, incluindo principalmente tipo de treinamento físico e genética.
Foi observado em diferentes estudos que além dos clássicos relacionados à eritropoiese, o tratamento com o hormônio pode influenciar o metabolismo anaeróbio, reduzindo as concentrações de lactato sanguíneo e ainda promover aumento das concentrações de ácidos graxos livres no sangue, de glicogênio muscular e de atividades específicas de enzimas oxidativas, citocromo C oxidase, L‐3‐hidroxiacil‐CoA desidrogenase e fosfofrutoquinase no musculoesquelético.
Além disso, há relatos de que indivíduos treinados aerobicamente são altamente sensíveis aos efeitos da rHuEPO, bem como que o tratamento com o hormônio pode desencadear alterações emocionais e comportamentais, relacionados ao prazer, autoestima e aumento da libido.
Os efeitos adversos apresentados pelos estudos apontam sobre os riscos do uso indiscriminado de rHuEPO. O aumento da viscosidade sanguínea pode desencadear um quadro de acidentes trombovasculares em indivíduos tratados com o hormônio, além de outras reações adversas que também podem ocorrer, tais como hipertensão arterial e deficiência de ferro. Vale ressaltar que a rHuEPO em doses fisiológicas promove efeitos benéficos, podendo ser utilizado para o tratamento de diversas doenças, no entanto, esta prática sem prescrição médica é extremamente perigosa, além de ser considerada doping no âmbito esportivo.
Por fim, vale ressaltar a importância de novos estudos envolvendo o tratamento com rHuEPO e diferentes protocolos de treinamento físico. Assim como novos esclarecimentos sobre os efeitos adversos, de modo a alertar e conscientizar atletas e indivíduos, que pretendem fazer uso deste hormônio recombinante ilícito.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.