Frequência cardíaca e sua variabilidade: análises e aplicações
Heart rate and its variability: analysis and applications
V.R.F.S. Marães a
a Curso de Fisioterapia. Faculdade de Ceil??ndia. Universidade de Bras??lia. Brasil.
Resumen
El músculo cardiaco tiene el privilegio de poseer la capacidad de mantener su propio ritmo. La frecuencia cardiaca puede variar dependiendo de las condiciones fisiológicas existentes, es decir, el descanso, el ejercicio físico, la posición corporal, el estado de alerta y el sueño, la aptitud física y las condiciones patológicas. La variación en la frecuencia cardiaca, también llamada variabilidad de la frecuencia cardiaca, está relacionada con la modulación del sistema nervioso simpático y parasimpático. El estudio de la variabilidad del ritmo cardiaco, especialmente en sus modelos analíticos y su aplicación clínica, puede ser útil en el diagnóstico y tratamiento de las complicaciones de la salud cardiovascular y también como herramienta complementaria en la prescripción del ejercicio físico para las personas sedentarias, deportistas y con enfermedades del corazón.
Este artículo tiene como objetivo presentar una revisión sobre el estudio de la variabilidad de la frecuencia cardiaca durante el descanso, durante el ejercicio físico y durante las maniobras respiratorias. La metodología para el análisis de la variabilidad de la frecuencia cardiaca se caracteriza por la determinación inicial del período de recolección, el instrumental, el estímulo utilizado (ejercicio físico, maniobras respiratorias y posturales) y los modelos matemáticos y estadísticos, con el objetivo de inferir el sistema nervioso simpático y parasimpático cardiaco. De esta manera, los cambios en los patrones de variabilidad de la frecuencia cardiaca pueden contribuir más como una modalidad clínica en la identificación de los agravios a la salud cardiovascular.
Resumen
The cardiac muscle is privileged, for possessing the capacity to keep its proper rhythm. The heart rate can vary in the dependence of the existing physiological conditions, that is, rest, physical exercise, body position, vigil and sleep state, physical conditioning and pathological conditions. The variation in the cardiac beatings, also call of heart rate variability, is related to the modulation of the sympathetic and nervous parasympathetic system. The study of the heart rate variability, especially in its models of analysis and its clinical application, it still can be valuable in the diagnosis and treatment of complications of the cardiovascular health and, as a complementary tool in the lapsing of physical exercise for sedentary, athlete and heart patients. The present article aims to present a revision on the study of the heart rate and variability during the rest, the physical exercise and respiratory maneuvers. The methodology of analysis of the heart rate variability is characterized by the initial determination of the period of collection, the instrument, the used stimulaton (physical exercise, respiratory and posture maneuvers) and of the mathematical and statistic models with objective to infer on the sympathetic nervous system and parasympathetic. In such a way, the modifications in the standards of heart rate variability can contribute with one more clinical modality in the identification of the grievance of cardiovascular health.
Palabras clave
Variabilidad de la frecuencia cardíaca, Ejercicio físico, Sistema nervioso simpático, Cardiovasculares
Keywords
Heart rate variability, Physical exercises, Sympathetic nervous system, Cardiovascular system

Introdução

O coração, principal órgão responsável pelo transporte sanguíneo no organismo humano, recebe dupla inervação, correspondente aos sistemas nervoso simpático e parassimpático (vago). A modulação simpática e parassimpática cardíaca é influenciada por informações dos barorreceptores, quimiorreceptores, sistema respiratório, sistema vasomotor, sistema termorregulador e sistema renina-angiotensina-aldosterona. Portanto, o coração não funciona de forma regular em seus batimentos, e suas oscilações, dentro de um padrão de normalidade, decorrem em função de uma complexa interação, resultando em uma significante variabilidade da frequência cardíaca1-3 ampla interação do sistema nervoso autônomo cardíaco tem sua importância no que diz respeito à capacidade do sistema cardiovascular em responder a diversos estímulos fisiológicos e patológicos no sentido de manter a homeostasia. Por exemplo, frente a um estímulo externo como o exercício físico, observase que a resposta parassimpática é mais precoce e rápida do que a simpática, posteriormente com a continuidade da atividade e incremento de carga observa-se um predomínio simpático4-8. Um aspecto relevante dos sistemas acima relacionados é a lateralidade, o sistema parassimpático tem efeitos predominante do lado direito do sistema nervoso central e o sistema simpático predominância do lado esquerdo do sistema nervoso central. A eferência do sistema parassimpático tem ação predominantemente sobre o nódulo sinoatrial e a do simpático atua preferencialmente sobre o nódulo atrioventricular1,9. Porém, quando se considera as vias eferentes nas conexões entre o sistema nervoso central e o controle do sistema cardiovascular, os nervos vagos carreiam impulsos não só para os nódulos sinoatrial e atrioventricular e para os átrios, mas também exercem efeitos sobre os ventrículos, fato este ainda pouco esclarecido. Por outro lado os nervos simpáticos distribuem-se para todo o aparelho circulatório10.

As primeiras informações de que o sistema cardiovascular, ao ser modulado pelo sistema nervoso simpático e parassimpático, era capaz de modificar a variabilidade da frequência cardíaca foram apresentadas por Hon & Lee11 que observaram no sofrimento fetal à concomitância de distúrbios nos intervalos RR entre os batimentos cardíacos. Na década de 70, Ewing et al12 observaram em pacientes diabéticos, com diferentes graus de disautonomia do sistema cardiovascular, ocorrência de diferentes padrões de variabilidade dos intervalos RR. A associação entre diminuição da variabilidade da frequência cardíaca e mortalidade em pacientes pós-infartados foi primeiramente demonstrada por Wolf et al13. A variabilidade da frequência cardíaca constitui um potente e independente indicador de mortalidade cardiovascular. Atualmente, com o auxílio tecnologia digital, ocorre uma ampliação do estudo desta ferramenta, utilizando-se algoritmos nos domínios da frequência e do tempo, fazendo uso da frequência cardíaca ou dos intervalos RR, em condições normais e patológicas14-16.

Alguns estudos verificaram que a diminuição do tônus parassimpático, e por conseguinte, da variabilidade da frequência cardíaca é observada após o infarto do miocárdio17, na hipertensão arterial sistêmica18-20 e na síndrome da insuficiência cardíaca21,22. A faixa etária também promove modificações autonômicas no coração, evidenciadas com uma diminuição do tônus vagal e da variabilidade da frequência cardíaca na condição de repouso com o incremento de idade8,23-25.

Destaca-se que estudos científicos direcionados à variabilidade da frequência cardíaca, especialmente em seus modelos de análise e a aplicação clínica podem ser uma ferramenta valiosa no diagnóstico e tratamento de complicações da saúde cardiovascular. O presente artigo tem como objetivo apresentar uma revisão sobre o estudo e análise da frequência cardíaca e de sua variabilidade durante o repouso, nas posições supina e sentada; durante exercício físico; e manobra de Valsalva (MV) com a finalidade de avaliar o controle autonômico do coração, no que se refere ao balanço vago-simpático como um indicador de risco cardiovascular.

Análise da variabilidade da frequência cardíaca e suas aplicações

Para se escolher a forma de análise da variabilidade da frequência cardíaca a ser utilizada em determinada condição fisiológica, deve-se considerar o tipo de registro que foi realizado. Estes podem ser de curta (5 á 30 minutos) ou de longa duração (24 horas) e realizados durante o repouso ou durante um estímulo, como as manobras respiratórias ou o exercício físico. Para as análises do tipo linear são necessários 256 intervalos RR para uma análise linear, já para análise não-linear é recomendado um número maior (em torno de 1.000 intervalos RR). Outro fato importante são as ferramentas para mensuração e coleta de dados da variabilidade da frequência cardíaca, que podem ser: a) um monitor cardíaco e um conversor analógico digital - que se torna inacessível em vários locais que trabalham avaliação e tratamento cardiovascular; b) um cardiofrequencímentro, equipamento que pode ser utilizado em ambiente ambulatorial. Em estudos realizados comparando estas duas ferramentas, o cardiofrequencímetro tem apresentado bons resultados e acurácia tanto na condição de repouso quanto no exercício físico, especialmente naqueles de baixa intensidade26,27.

Uma variável periódica pode ser analisada em função do tempo ou em função da frequência em que o evento ocorre. Muitos dos sinais biológicos são definidos como quase periódicos, isto é, eles variam de maneira repetitiva em tempos quase regulares28. Portanto, os métodos de análise da variabilidade da frequência cardíaca também podem ser conduzidos nos domínios do tempo e/ou da frequência.

A análise dos fenômenos periódicos nos domínios do tempo e da frequência são de fundamental importância para o estudo da variabilidade da frequência cardíaca. Muitos fenômenos são conjuntos de ritmos e a medida de um fenômeno rítmico é feita por meio da caracterização dos ciclos, e o período de tempo necessário para que transcorra um ciclo correspondente.

Análise no domínio do tempo

O método de análise no domínio do tempo é o mais simples, ou seja, qualquer ponto no tempo ou os intervalos RR correspondentes podem ser determinados, expressando uma das maneiras de se quantificar a variabilidade da frequência cardíaca no respectivo domínio. Baseia-se em cálculos estatísticos simples realizados nas séries de intervalos RR obtidas. Existem vários tipos de análises disponíveis para o estudo das variáveis chamadas temporais, aquelas baseadas nos intervalos entre os batimentos (índices temporais estatísticos paramétricos e não-paramétricos), como média, desvio-padrão, mediana, extremos, quartis inferior e superior e diferença entre o intervalo RR máximo e o intervalo RR mínimo; e as baseadas em comparações dos intervalos de tempo entre ciclos adjacentes como raiz quadrada da somatória do quadrado das diferenças entre os intervalos RR (RMSSD); a raiz quadrada da somatória do quadrado das diferenças dos valores individuais em relação ao valor médio dividido pelo número de intervalos RR (RMSM); e a porcentagem da diferença maior que 50 milissegundos entre intervalos RR adjacentes (pNN50)16,25,29-31.

Outra possibilidade de análise dos intervalos RR no domínio do tempo são os métodos geométricos, sendo o índice triangular e a plotagem de Poincaré. Para o calculo do índice triangular, constrói-se um histograma de densidade dos intervalos RR normais, demonstrando no eixo horizontal x o comprimento do intervalos RR e no eixo vertical y a frequência com que cada um ocorreu. A união das colunas do histograma forma uma figura semelhante a um triângulo, sendo que a largura da base deste triângulo reflete a variabilidade dos intervalos RR. O calculo do índice triangular corresponde à divisão da área dos intervalos RR utilizados pela altura correspondente ao número de intervalos RR com frequência modal do triângulo 2. É importante ressaltar que os batimentos equitópicos ficam fora do triângulo. Por outro lado o plot de Poincaré é analisado de forma visual por meio da observação da figura formada pelos intervalos RR 24 e análise quantitativa por meio do ajuste de curvas que derivam três índices, a saber: SD1 que representa o registro instantâneo da frequência cardíaca batimento a batimento; SD2 representa o registro em longo prazo; SD1/SD2 mostra a razão entre as variações curta e longa dos intervalos RR2,27. O índice SD1 parece quantificar a modulação vagal, uma vez que, o mesmo reduziu progressivamente durante o exercício físico e mediante bloqueio farmacológico parassimpático32-34.

A análise da regressão foi primeiramente desenvolvida por sir Francis Galton no final do século XIX, onde descreveu matematicamente a tendência à regressão. O termo regressão descreve a relação entre variáveis independentes35. A utilização do referido ajuste aos dados de frequência cardíaca, durante os testes de esforço físico dinâmico descontínuo, relataram uma nítida dificuldade no ajuste de uma reta representativa da resposta desta variável, utilizando-se a referida metodologia, uma vez que, os dados de frequência cardíaca são mutuamente dependentes e ainda, o ajuste da reta apresentava baixos valores dos coeficientes de correlação e angular da reta (β) (muitas vezes oscilando entre valores negativos e positivos) (fig. 1). A análise dos resíduos, útil para verificar se a regressão linear é apropriada para o conjunto de dados, não mostra distribuição normal, o que indica inadequação do modelo proposto ao conjunto de dados de frequência cardíaca8.

Fig. 1. Representação gráfica e os valores do ajuste, por regressão linear, da resposta da frequência cardíaca do 1º ao 13º min de esforço físico, na potência de 90 watts (W) de um indivíduo saudável.

Na busca de um modelo matemático capaz fazer previsões mais adequadas, no sentido de detectar mudanças do padrão de resposta da frequência cardíaca durante exercício físico, surge os modelos autorregrissivos integrados de médias móveis (ARIMA). Esta ferramenta de análise no domínio do tempo é capaz de fazer previsões e descrever o processo a respeito das séries de dados de frequência cardíaca8,36. Os modelos introduzidos por Box e Jenkins36 em 1970 incluem parâmetros autorregressivos (p) bem como médias móveis (q), e ainda diferenciações (d) na sua formulação, especificamente a notação introduzida por tais autores são sumarizadas como ARIMA (p, d, q). Neste contexto, o conjunto de dados de frequência cardíaca pode ser visto como uma série temporal, que consiste, fundamentalmente de um conjunto de observações de uma variável y, tomada em intervalos de tempo igualmente espaçados. Existem dois aspectos a serem considerados no estudo de séries temporais: análise e modelagem. O objetivo da análise é resumir as propriedades da série e caracterizar a sua forma. Isto pode ser feito tanto no domínio do tempo como no domínio da frequência. No domínio do tempo enfatizase a relação entre observações em diferentes pontos do tempo. Por outro lado, no domínio da frequência estudamos os movimentos cíclicos. As duas formas de análise são complementares e competitivas, ou seja, a mesma informação é processada de diferentes maneiras. O objetivo da modelagem é fazer previsões, a respeito do comportamento da variável estudada. Uma série temporal pode ser considerada como um processo estocástico; para que ela seja analisada, é necessário decompô-la em uma parte fixa (estrutura) e uma parte aleatória (erro)37,38. Para saber se a estrutura está contendo toda, ou a maior parte da variabilidade da série observando as características do resíduo. O resíduo é usado para se estimar o erro, uma vez que é impossível obtermos o erro real, que é um componente teórico. Nestas circunstâncias, é necessário que o resíduo tenha média zero, variância constante, e que não seja auto-correlacionado. Satisfeitas estas condições, o resíduo será denominado de ruído branco39,40. A estrutura da série só poderá ser feita se esta for estacionária, i.e., a série deverá flutuar ao redor de um nível fixo μ; quando isto não acontece, pode-se tornar a série estacionária através de diferenças. A parte estrutural da série será construída relacionando-se as observações passadas, modelo autorregressivo, e quando há necessidade de muitos parâmetros, também modelos médias móveis, que contêm os valores dos erros passados (fig. 2). Esse modelo é denominado ARMA (autorregressivo-médias móveis), e no caso de série não estacionária, onde é necessário fazer diferenças, o modelo é denominado ARIMA (autorregressivo-integrado-médias móveis)37,41. Usando-se a metodologia de Box Jenkins, com o ajuste dos modelos autorregressivos-integradosmédias móveis (ARIMA) é possível determinar o momento em que o conjunto de dados de frequência cardíaca apresentava tendência (inclinação), caracterizando um incremento lento da desta variável; incremento este, que segundo estudos conduzidos em condições de bloqueio beta-adrenérgico, é causado por estimulação do sistema nervoso simpático5,42,43. Marães et al44 estudaram 10 voluntários saudáveis de meia idade, usando protocolo de esforço físico dinâmico descontínuo em cicloergômetro de frenagem eletromagnética, com duração de 4 minutos em cada potência, encontraram inclinação da resposta da frequência cardíaca na potência de 61 watts (mediana), enquanto Ribeiro et al45 e Petto et al46 utilizando a mesma metodologia de análise em dados de voluntárias jovens saudáveis, referem que nas potências de 49 e 50 watts, respectivamente os dados de frequência cardíaca apresentaram inclinação, ou seja, predomínio da modulação simpática.

Fig. 2. Representação do ajuste dos modelos autoregressivos integrados médias móveis (ARIMA) aos dados de frequência cardíaca, obtidos durante a execução de exercício físico na potência de 45 watts.

Outro método utilizado para caracterização das alterações no padrão de comportamento da frequência cardíaca é o ajuste do modelo matemático e estatístico semiparamétrico. O limiar de anaerobiose pelo método das respostas da frequência cardíaca pode ser caracterizado durante o teste com potência constante do tipo rampa como o momento em que a reta ajustada aos seus valores admite uma inclinação positiva estatisticamente significante, o que tem sido atribuído ao início do predomínio do sistema nervoso simpático47,48. Para análise em questão, na seqüência da série de dados de frequência cardíaca, seleciona-se um período estável de exercício físico em cada potência de esforço físico e ajusta-se um modelo matemático e estatístico semiparamétrico. O referido modelo é composto por componentes paramétricos e não-paramétricos em relação à mesma variável, o qual propõe a separação dos componentes da série de dados da frequência cardíaca obtidos em exercício físico do tipo rampa, em duas partes. A primeira parte apresenta elementos com tendências lineares em relação ao modelo ajustado, com configuração paramétrica correspondente aos resíduos da série. A segunda parte contém os elementos da primeira parte com configuração não-paramétrica. A análise da tendência positiva da inclinação (não estabilidade) dos valores de frequência cardíaca é dada pela análise de variância e teste t de Student com nível de significância de α= 5%. O componente paramétrico admite que os resíduos da série têm distribuição normal e, aplicando o teste de Durbin-Watson, verifica-se autocorrelação significante entre os resíduos. O componente não paramétrico se ajusta aos componentes cíclicos da série e para isso é preciso uma ortogonalização em relação aos elementos do componente paramétrico, de um trecho selecionado, onde se espera observar uma maior estabilidade da série. O modelo analisa os dados e apresenta resultados dos respectivos critérios para determinar em que nível de potência os valores de frequência cardíaca do voluntário atingem tendência à inclinação, se positiva ou negativa, ou seja, o quanto esta inclinação difere de zero com p < 0,0549.

Análise no domínio da frequência

Os fenômenos rítmicos podem ser caracterizados também por meio da obtenção do espectro de potência das ondas senóidais, nas frequências que compõem os ritmos, no domínio do tempo. Para tal, torna-se necessário transformar os ritmos do domínio do tempo para o da frequência, através de vários procedimentos matemáticos25,28. Dentre os procedimentos disponíveis no domínio da frequência, há que se destacar o da transformada rápida de Fourier, que permite a obtenção da densidade espectral de potência. A análise espectral consiste na decomposição de um sinal numa soma de ondas sinusais de diferentes amplitudes e frequências. Esta análise pode ser utilizada como um método não invasivo para se avaliar a integridade da função neurocardíaca, quantificando a modulação simpática e parassimpática em condições fisiológicas e patológicas de doenças cardíacas primárias e secundárias2,3,6,18,50-53.

A densidade espectral de potência pode ser obtida por meio da análise de sucessivas séries de intervalos RR obtidos, a partir do sinal eletrocardiográfico. A análise do espectro de potência da variabilidade da frequência cardíaca tem sido extensamente usada para mensurar a função autonômica na prática clínica e em estudos científicos19-21,30,54,55. Alguns estudos dividem o espectro de potência em três principais regiões de frequência. A banda de muito baixa frequência (MBF), que apresenta como limites inferiores de 0-0,0033 Hz e superiores de 0,03-0,04 Hz, está ainda pouco esclarecida. É melhor quantificada em registros eletrocardiográficos mais prolongados (24 horas), e segundo alguns autores é dependente da modulação eferente tanto simpática como parassimpática56,57. As vias aferentes e os mecanismos centrais são influenciados pela regulação da temperatura corporal, do tônus vasomotor periférico e até mesmo do sistema renina angiotensina56. As bandas de baixa frequência (BF) apresentam limites de 0,04 a 0,15 Hz; elas expressam a intensidade da modulação simpática sobre o coração56,58. Bandas de alta frequência (AF) apresentam limites inferiores variando entre 0,15 a 0,4 Hz; elas são devidas à modulação vagal atuante sobre o nódulo sinoatrial18,25,30,56,59,60. O estudo das bandas de frequência com a utilização de bloqueio farmacológico verifica-se que as oscilações de BF refletem predominantemente a modulação vagal, sobreposta à simpática61.

Estudos preliminares existentes na literatura têm documentado que níveis progressivamente intensos de esforço promovem aumento do componente espectral de BF e diminuição do componente espectral de AF3,26,62. Entretanto, os autores têm enfatizado que a referida metodologia apresenta limitações nas condições de exercício físico dinâmico, sobretudo, porque é justamente nesta que se documenta menor estacionaridade do sinal eletrocardiográfico e aumento da participação de subsistemas não lineares: condições e premissas que são restritivas ao uso do espectro de potência como ferramenta de análise matemática18,63-66.

A normalização dos dados espectrais é comumente utilizada para minimizar a influência da banda de muito baixa frequência. É realizada por meio da divisão da potência de cada um dos componentes (BF ou AF) pelo espectro total de potência, subtraindo a muito baixa frequência e multiplicando por 10018,67.

Recentemente, tem-se utilizado para descrever o comportamento dos intervalos RR os métodos baseados na Teoria do Caos, ou seja, pelos sistemas não-lineares. Acredita-se que os mecanismos envolvidos na regulação cardiovascular provavelmente interagem entre si de forma não linear. A Análise de Flutuações Depuradas de Tendências, Função e Correlação, Expoente de Hurst, Dimensão Fractal e Expoente de Lyapunov fornecem informações sobre a variabilidade da frequência cardíaca, mas a aplicação clínica e no esporte ainda não foi totalmente estabelecida. Porém, existem fortes indícios de que a utilização da dinâmica não-linear no estudo da referida variável é sensível e promissora comparativamente aos demais métodos2,68.

Estudo do comportamento da frequência cardíaca e de sua variabilidade no repouso

A frequência cardíaca em repouso é habitualmente referencial para a condição da função do organismo humano, sendo ponto de referência para determinação das faixas de intensidade para prescrição de exercício físico69. Sabe-se, que o coração, de um indivíduo saudável na condição de repouso, bate ininterruptamente entre 70 a 80 vezes por minuto, portanto, valores inferiores de frequência cardíaca estão em geral relacionados com uma boa condição funcional e valores elevados podem estar relacionados a distúrbios funcionais e risco cardiovascular70. A frequência cardíaca modifica-se, na dependência das condições fisiológicas existentes, ou seja, repouso, exercício físico, posição de decúbito, estado de vigília, sono, entre outras71,72.

A variabilidade da frequência cardíaca constitui uma ferramenta mais completa de análise da funcionalidade neurocardíaca, sendo possível realizar diagnósticos mais preciso e precoce quando comparado a utilização de valores pontuais da frequência cardíaca. Um dos fatores que largamente influência a variabilidade da frequência cardíaca em repouso é a faixa etária do indivíduo. Estudos anteriores têm sugerido que a modulação da frequência cardíaca é influenciada por vários fatores fisiológicos bem como a idade e o condicionamento físico24,73-75. Outros fatores decorrentes do envelhecimento, que largamente influenciam na variabilidade da frequência cardíaca são as alterações na modulação do sistema nervoso autônomo e cardiovascular sobre o coração, tais como: mudanças estruturais e funcionais, como a sensibilidade dos tecidos, o sistema de condução cardíaca, os vasos sangüíneos e barorreceptores, aumento da rigidez miocárdica e diminuição do enchimento ventricular, que vão refletir na dinâmica do sistema cardiovascular76. Em particular, vários trabalhos em animais velhos, demonstraram uma diminuição na síntese de acetilcolina e no número de receptores colinérgicos e sua afinidade com o agonista, como um forte indicador da diminuição da atividade parassimpática sobre o coração77,78. No miocárdio humano, há fortes evidências de que ocorra uma diminuição na densidade do plexo colinérgico a partir da 4ª década de vida, e na 6ª década verifica-se uma degeneração irreversível deste sistema no coração79. Em alguns estudos, utilizando dados de frequência cardíaca de jovens e de meia idade, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nos valores absolutos e utilizando-se os índices temporais da variabilidade da frequência cardíaca (RMSM e RMSSD) as diferenças foram significantes, sugerindo que alterações pertinentes ao envelhecimento são evidenciadas quando se analisa a variabilidade da frequência cardíaca (fig. 3)8.

Fig. 3. Frequência cardíaca, batimento a batimento, de um indivíduo jovem (A) e de um indivíduo de meia-idade (B) na posição supina, durante 15 minutos.

As variações da frequência cardíaca, ou o inverso desta, ou seja, os intervalos RR durante o repouso representam uma adaptação que envolve complexos mecanismos de controle atuantes sobre o nódulo sinoatrial. As atividades eferentes vagal e simpática dirigidas para o nódulo sinoatrial são caracterizadas por descargas sincrônicas, a cada ciclo cardíaco, que podem ser moduladas por mecanismos centrais e periféricos. Tais fatores geram flutuações rítmicas nas descargas neurais eferentes que se manifestam no ciclo cardíaco a curto e longo prazos58.

A modulação autonômica da frequência cardíaca é em parte responsável pela variabilidade da mesma, sendo que em voluntários normais a estimulação dos nervos parassimpáticos (vago) está mais associada à diminuição ("freio") dos valores de frequência cardíaca e os efeitos da estimulação dos nervos simpáticos está relacionado com o aumento destes3,18,29,42,53,80. Em um indivíduo na condição de repouso, tanto o simpático como o parassimpático estão tonicamente ativos, com um efeito predominante vagal. Vários estudos realizados com o indivíduo na condição de repouso mostraram menores valores absolutos de frequência cardíaca na posição supina, comparativamente à posição sentada. Por outro lado, utilizando-se os índices temporais de variabilidade da frequência cardíaca não observaram diferenças estatisticamente significantes entre as posturas estudadas na condição de repouso, indicando que a variabilidade da frequência cardíaca, ou seja, a modulação vagosimpática, não se alterou nestas condições. Portanto, os maiores valores absolutos da frequência cardíaca, na postura sentada, mostram que em determinadas condições fisiológicas, como a mudança postural ativa, pode ocorrer variações no tônus vago-simpático, sem que sejam desencadeadas variações significantes na variabilidade da frequência cardíaca tanto em indivíduos saudáveis quanto cardiopatas8,25. É preciso lembrar que a mudança postural envolve importantes modificações das variáveis cardiovasculares causadas por desvios hidrostáticos e repostas reflexas adaptativas, a saber: a) deslocamento de sangue das extremidades superiores para as extremidades inferiores; b) diminuição do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica; c) ativação dos mecanorreceptores arteriais e cárdio-pulmonares; d) integração de informações periféricas e centrais (centros cardiorreguladores); por último, e) ativação das vias eferentes simpáticas e inativação da eferência parassimpática para o sistema cardiovascular30,31,81.

Resposta da frequência cardíaca durante a manobra de Valsalva

Os testes da função simpática e parassimpática cardíaca são aparentemente simples, quanto à execução, mas podem envolver mecanismos fisiológicos extremamente complexos.

A manobra de Valsalva (MV) é considerada um importante teste para verificação da integridade da inervação cardíaca e é, portanto, relevante na observação da resposta da frequência cardíaca. Consiste numa expiração forçada com a glote fechada, ou em um sistema fechado, até que seja atingida uma pressão previamente estabelecida, provocando um aumento da pressão intratorácica, com conseqüente compressão dos vasos, diminuição do retorno venoso e variações reflexas da frequência cardíaca, por mediação do parassimpático31,82,83.

A MV pode ser melhor compreendida, quando analisada em quatro fases (fig. 4):

Fig. 4. Frequência cardíaca captada em tempo real, batimento a batimento, durante o teste de esforço físico dinâmico com potências descontínuas de 25, 35, 45, 55, 50, 60 e 65 watts, realizadas por um indivíduo de meia idade.

Fase I: início da manobra ocorre um aumento da pressão intratorácica que é transmitida às cavidades cardíacas e segmentos intratorácicos dos grandes vasos, provocando elevação transitória da pressão arterial (PA) e concomitantemente queda discreta na FC.

Fase II: com a manutenção da pressão intratorácica elevada, ocorre um impedimento progressivo ao retorno venoso, no que resulta diminuição da pressão de enchimento ventricular para as câmaras direita e esquerda e consequentemente queda da pressão arterial, com respostas reflexas causando uma elevação da frequência cardíaca e vasoconstricção periférica, que em conjunto, são responsáveis pela pequena elevação da pressão arterial ainda na final desta fase.

Fase III: após a liberação do esforço expiratório, ocorre um seqüestro de sangue para o leito vascular pulmonar expandido pela súbita queda da pressão intratorácica, efeito que diminui o enchimento ventricular esquerdo provocando queda da pressão arterial e elevação da frequência cardíaca.

Fase IV: poucos segundos após o grande aumento do retorno venoso para o ventrículo direito, é transmitido ao ventrículo esquerdo, que ao ejetar um maior volume sistólico, ainda em vigência de um tônus arteriolar aumentado, provoca uma súbita elevação da pressão arterial a valores superiores aos de repouso, no que resulta uma bradicardia reflexa58,83-86.

O cálculo do índice de Valsalva, utilizando a frequência cardíaca pode ser utilizado como um teste não-invasivo da função autonômica cardíaca, servindo para acompanhar a evolução de pacientes com risco de desenvolver neuropatias autonômicas. O índice de Valsalva foi definido como o valor pico da frequência cardíaca durante a MV dividido pelo valor mínimo durante o primeiro minuto após o término da manobra87,86. Valores normais para o índice de Valsalva variaram de 1,31 a 2,97; dependendo da faixa etária dos voluntários, uma vez que o índice de Valsalva decrescia com o aumento da idade87,88.

Valores normais para o índice de Valsalva foram determinados por alguns autores, somente em pequenos grupos de voluntários58,86, porém, Gelber et al87 realizaram MV em 425 voluntários, com o objetivo de determinar o intervalo de normalidade do índice de Valsalva. Estes autores encontraram valores para o índice de Valsalva na faixa de 1,31 a 2,97, dependendo da faixa etária, uma vez que, o índice de Valsalva decrescia com o aumento da idade dos voluntários.

Fuenmayor et al88 em estudos onde utilizou valores do índice de Valsalva e incrementos de frequência cardíaca, para a análise das respostas, em voluntários treinados e sedentários, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os dois métodos de análise estudados85.

O'Brein et al89 compararam o índice com o incremento (delta) de Valsalva e também com o desvio-padrão dos valores de frequência cardíaca durante a realização da MV, e concluíram que o índice de Valsalva apresentava um menor coeficiente de variação, o que o qualificava como superior ao delta da frequência cardíaca.

Alguns estudos mostram que os valores, expressos como índice de Valsalva calculados pela frequência cardíaca e intervalos RR, comparativamente ao delta (incremento), expressam melhor as diferenças entre os grupos estudados. A resposta da frequência cardíaca ou dos intervalos RR à MV, expressa em índice de Valsalva, foi estatisticamente menor no grupo de meia idade comparativamente ao grupo jovem. Estes achados são, pois, compatíveis com estudos existentes na literatura que demonstram que, com o avançar da idade ocorre diminuição do tônus parassimpático sobre o nódulo sinoatrial86-89.

A seleção de testes autonômicos não invasivos como: respiração controlada, mudança postural ativa e MV, podem ser sensíveis às alterações cardíacas, bem como à melhora na aptidão cardiovascular dos indivíduos submetidos a treinamento físico83.

Variabilidade da frequência cardíaca durante o exercício físico dinâmico

O exercício físico promove mudanças tanto nos valores absolutos da frequência como na sua variabilidade. A regulação da frequência cardíaca durante o exercício depende de vários mecanismos fisiológicos, agindo sobre o coração, como os fatores humorais e o sistema nervoso autonômico26,32. Durante o exercício dinâmico, o ajuste inicial da frequência cardíaca é dependente da retirada do tônus vagal, enquanto os incrementos subseqüentes são atribuídos a um aumento na atividade dos nervos simpáticos. A modulação entre os dois sistemas (simpático e parassimpático) depende da intensidade do exercício. Fatores humorais como catecolaminas circulantes também podem ter uma função significante, em relação à eferência neural, na manutenção da taquicardia tardia, após o primeiro minuto e esforço físico52.

O incremento da frequência cardíaca durante a execução de um exercício físico crescente, modulada pelo sistema nervoso simpático e parassimpático, apresenta um crescimento linear, principalmente, quando o voluntário é submetido a uma potência com crescimento em forma de rampa. Nos protocolos descontínuos do tipo degrau documenta-se, no início do esforço um período de latência da frequência cardíaca em torno de 0,5 segundo, seguido de um marcante aumento, devido quase que exclusivamente à diminuição da estimulação parassimpática sobre o nódulo sinoatrial, conhecido como componente rápido de elevação de frequência cardíaca, que independe da intensidade de potência aplicada7,90. Após esse período, nos próximos 60 a 90 segundos, nota-se um crescimento mais lento da frequência cardíaca, correspondendo à retirada lenta do tônus vagal, o qual já é influenciado parcialmente pela atividade física. Em esforços de baixa potência, após o pico precoce de elevação da frequência cardíaca, ocorre uma redução de valores desta variável em direção à condição de equilíbrio dinâmico, entre 1,8 a 3,7 minutos. Já em níveis de potências mais elevadas, ocorre uma elevação da frequência cardíaca, que se deve ao predomínio da atividade simpática, denominado componente lento de elevação da frequência cardíaca, que impede a estabilização desta variável, enquanto durar o exercício físico (fig. 5)5-8,42,43.

Fig. 5. Frequência cardíaca, batimento a batimento, obtida de um indivíduo jovem, antes (60 segundos), durante (20 segundos) e após a manobra de Valsalva.

Hayano et al80 estudaram voluntários saudáveis, e utilizando bloqueio farmacológico com atropina, documentaram uma redução estatisticamente significante em algumas variáveis temporais: como o desvio padrão da média, o coeficiente de variabilidade, bem como o RMSSD dos intervalos RR. Por outro lado, o bloqueio com propanolol não alterou tais índices, demonstrando uma forte correlação entre os índices temporais e o tônus vagal atuante sobre o coração. Outro estudo, realizado por Vybrial et al91, em voluntários saudáveis, nos quais aplicou-se escopolamina transdérmica (baixas doses), ocorreu importante aumento nos índices temporais (RMSM e RMSSD), provavelmente por um aumento do tônus vagal a nível do sistema nervosos central, demonstrando mais uma vez que existe uma forte correlação entre estes índices e a magnitude do tônus vagal (parassimpática).

Durante o exercício físico a potência submáxima, na qual começa a ser ativado, a nível muscular, o mecanismo anaeróbio de formação de ATP, com resultante produção de ácido láctico, corresponde ao que vários autores designam de limiar anaeróbio8,72,92,93.

Inicialmente, o limiar anaeróbio era somente determinado, a partir de métodos invasivos, que detectavam o aumento da concentração sanguinea de ácido láctico, acima de uma determinada potência de esforço. Entretanto, com o passar do tempo, vários estudos demonstraram que o limiar anaeróbio, durante o exercício dinâmico, se constituía em um importante marcador fisiológico. Esta constatação surgiu a partir de achados que demonstravam a ocorrência, nestas condições, de abrangentes mudanças metabólicas e humorais, bem como do comportamento das variáveis relacionadas aos sistemas nervoso (central e periférico) e ao cardiorrespiratório5,6.

Apesar da praticidade e do caráter não invasivo do método ventilatório na determinação do limiar anaeróbio, ele ainda é de acesso restrito, mesmo em laboratórios de fisiologia do esforço, por envolver equipamentos relativamente caros.

O estudo da função do sistema nervoso autônomo como um mecanismo de controle da variabilidade da frequência cardíaca durante o exercício físico dinâmico pode ser outra forma não-invasiva e de baixo custo na identificação do limiar anaeróbio. Alguns estudos existentes na literatura referem que existe um aumento não-linear da frequência cardíaca em relação à potência aplicada durante o exercício físico incremental8,48,94-96. Conconi et al94 apresentaram um trabalho pioneiro com a proposta de investigar um ponto de mudança, ou seja, a perda da linearidade da frequência cardíaca em função da potência de exercício aplicada num protocolo incremental, como indicador não invasivo do limiar anaeróbio. Entretanto, foram encontradas algumas dificuldades na reprodutibilidade deste método em muitos indivíduos. O ajuste dos dados de frequência cardíaca para localização do referido ponto de mudança foi realizado visualmente, fato que levou ao aumento na margem de erro desta identificação. Portanto, atualmente alguns estudos são conduzidos com referência à metodologia de Conconi et al94, utilizando ajustes matemáticos para automatizar esta técnica8.

Bunc et al95, utilizando algoritmos de regressão linear para determinação de pontos de quebra na linearidade das respostas da frequência cardíaca, da eletromiografia de superfície e do lactato sangüíneo em relação ao aumento da potência em teste de exercício físico em rampa, observaram os pontos de mudança no padrão de resposta das variáveis, sugerindo que esta metodologia poderia ser utilizada na determinação do limiar anaeróbio em indivíduos sedentários.

O modelo de Hinkley97 parece ser sensível na identificação da mudança metabólica que ocorre no limiar anaeróbio, uma vez que, apresenta correlação com o método ventilatório (padrão-ouro), sugerindo que tais métodos são seguros na identificação da referida mudança (fig. 6)86. Além disso, possibilita uma otimização no processo de detecção deste importante marcador fisiológico96.

Fig. 6. Ilustração da análise do modelo estatístico de regressão segmentar de Hinkley aplicado aos dados de frequência cardíaca (FC) de um jovem saudável. A reta vertical determina o ponto de mudança do comportamento da frequência cardíaca, ou seja, o limiar anaeróbio.

A aplicação de modelos matemáticos e estatísticos na identificação do ponto de mudança na resposta das variáveis ventilatórias e metabólicas permite caracterizar, de forma não invasiva, o limiar anaeróbio, reduzindo a influência humana na análise visual e ainda otimizando o processo de análise deste parâmetro fisiológico, tornando-o automático ou semi-automático8,34,45,98,99.

Aplicação clínica da variabilidade da frequência cardíaca

Estudos recentes têm mostrado que a capacidade da modulação autonômica cardíaca está alterada em algumas doenças do sistema cardiovascular, favorecendo de forma significativa para o desenvolvimento de arritmias potencialmente fatais, exercendo influência na morbi-mortalidade de uma população de risco.

O estudo da variabilidade da frequência cardíaca no período do sono tem se mostrado um valioso instrumento no diagnóstico precoce de alterações cardiovasculares. É possível observar que com o incremento da idade a variabilidade da frequência cardíaca é reduzida durante o sono, portanto a predominância vagal nesta fase está comprometida7. Para as mulheres, a terapia de reposição hormonal (estrogênio) parece atenuar o processo de redução da variabilidade da frequência cardíaca com o aumento da idade, promovendo redução da atividade simpática sobre o coração66,100.

Em vários fatores de risco para doença cardiovascular, como hipertensão arterial, insuficiência coronariana, aterosclerose, diabetes entre outros, os índices de variabilidade de frequência cardíaca encontram-se reduzidos. Na hipertensão, por exemplo, é possível identificar alterações dos mecanismos de controle autonômico cardíaco na hipertensão arterial sistêmica e avaliar a ação de medicamentos que interferem na regulação do aparelho cardiovascular19,20.

Os pacientes com lesão no hemisfério direito possuem mais risco de morte súbita, especial aqueles acidentes vasculares na região do tálamo e tronco encefálico, devido à nítida influência sobre o centro cardiovascular, alterando significantemente a variabilidade frequência cardíaca e o controle da pressão arterial101. Em um estudo preliminar realizado com dois voluntários, sedentários com idades de 50 e 58 anos, hipertensos e hemiparéticos após acidente vascular encefálico, observou a redução dos valores basais da frequência cardíaca e da pressão arterial; e melhora no desempenho no teste de caminhada de 6 minutos após três meses de intervenção com exercícios físicos aeróbios. Da mesma forma, os índices temporais de variabilidade da frequência cardíaca apresentaram melhora (RMSM antes = 43,90 m e depois = 56,44 m; RMSSD antes: 32,23 m e depois = 49,17 m) na modulação autonômica cardíaca após intervenção. A utilização da variabilidade da frequência cardíaca permite um grande e valioso crescimento, ampliando novos horizontes para a aplicação clínica da referida ferramenta102.

Pacientes com miocardiopatias demonstraram que a captação neuronal de norepinefrina, reforçando a hipótese de que desordens no sistema nervoso simpático possam estar relacionadas a fenômenos encontrados nesta doença, especialmente a morte súbita. Fei et al22 ao estudarem um grupo de 31 pacientes com miocardiopatia e 31 indivíduos normais, através da análise da variabilidade da frequência cardíaca no Holter de 24 h., verificaram que nos pacientes o componente de baixa frequência era significativamente menor, assim como a razão baixa frequência/alta frequência (BF/AF); e os componentes de alta frequência eram maiores que os indivíduos do grupo controle, indicando uma redução da atividade simpática22.

A obesidade pode afetar a modulação autonômica cardíaca, os lípides do sangue e a capacidade física. Em um estudo onde foram avaliadas 30 crianças com idades entre 9 a 11 anos, divididas grupo de crianças obesas e de crianças não-obesas. Todas foram submetidas à avaliação antropométrica e clínica, análise da VFC ao repouso e a um protocolo de esforço. A atividade simpática cardíaca, na posição bípede, em unidades normalizadas - BFun, foi maior para os obesos, com 71,4 %, quando comparada aos 56,3% não obesos; e a razão baixa/alta frequência (BF/ AF) foi de 3,8 para obesos e 1,7 para não obesos. No teste de esforço a distância total, tempo, consumo de oxigênio pico e equivalente metabólico foram maiores para aquelas não obesas. A obesidade infantil promoveu modificações no controle autonômico cardíaco na posição bípede e reduziu a capacidade física das crianças103.

Outra aplicação crescente da variabilidade da frequência cardíaca está na avaliação dos efeitos adaptativos da prática de exercícios físicos. Alguns trabalhos mostram que a variabilidade da frequência cardíaca pode ser modificada em função do treinamento físico aeróbio, tanto em indivíduos normais como em portadores de fatores de risco cardiovasculares e ou cardiopatas25,26. Novais et al25 relataram que não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre as bandas de frequência e os índices de variabilidade da frequência cardíaca na condição de repouso entre homens saudáveis sedentários e pacientes hipertensos e coronariopatas ativos, sugerindo um efeito protetor do exercício físico sobre a modulação autonômica cardíaca destes. O exercício físico aeróbio realizado por período, intensidade e duração adequados pode alterar o balanço simpato-vagal cardíaco, tanto na condição de repouso como durante o exercício físico. Por outro lado, quando indivíduos jovens e de meia idade foram submetidos a um programa de treinamento de força com duração de três meses, os indivíduos de meia idade apresentaram redução significativa dos índices da variabilidade frequência cardíaca em comparação aos jovens. Na análise intra-grupo não se observa diferenças entre a condição pré-treinamento aquela pós-treinamentos em ambos os grupos, ou seja, o treinamento de força não contribuiu significativa na modulação autonômica cardíaca dos indivíduos104.

Conclusão

Nesta revisão evidenciou-se que cada vez mais a utilização da frequência cardíaca e da sua variabilidade obtida em tempo real, pode viabilizar uma ferramenta para o uso cotidiano da prática clínica, aprimorando o desenvolvimento das ferramentas de coleta e análise dos sinais eletrocardiográficos especialmente dos intervalos RR. Técnicas não invasivas são valiosas para a avaliação de respostas cardiovasculares às diferentes condições, seja no repouso como durante exercícios físicos e especialmente no acompanhamento de tratamento e na prevenção de doenças cardiovascular, bem como em busca da melhora do desempenho de atletas, aumentando assim a segurança dos usuários. Isto permitirá que vários locais (clínicas, consultórios médicos, academias) tenham acesso a esta metodologia de avaliação indireta da capacidade funcional e cardiovascular, com equipamentos de baixo custo e fácil aplicabilidade.

Agradecimentos

Aos pesquisadores e incentivadores: Prof. Dr. Lomenço Gallo Júnior (FMRP-USP) e Profa. Dra. Ester Da Silva (UNIMEP).

Ao Prof. Ms. Leonardo Petrus da Silva Paz pelo apoio técnico na formatação e localização dos artigos científicos.

RESUMO

O músculo cardíaco é privilegiado, por possuir a capacidade de manter seu próprio ritmo. A frequência cardíaca pode variar na dependência das condições fisiológicas existentes, ou seja, repouso, exercício físico, posição corporal, estado de vigília e de sono, condicionamento físico e condições patológicas. Esta variação nos batimentos cardíacos, também chamada de variabilidade da frequência cardíaca, está relacionada à modulação do sistema nervoso simpático e parassimpático. O estudo da variabilidade da frequência cardíaca, especialmente em seus modelos de análise e sua aplicação clínica, pode ser valioso no diagnóstico e tratamento de complicações a saúde cardiovascular e ainda, como uma ferramenta complementar na prescrição de exercício físico para sedentários, atletas e cardiopatas.

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma revisão sobre o estudo da resposta da frequência cardíaca e sua variabilidade durante o repouso, durante o exercício físico e durante manobras respiratórias. A metodologia de análise da variabilidade da frequência cardíaca é caracterizada pela determinação inicial do período de coleta, do instrumental, do estímulo utilizado (exercício físico, manobras respiratórias e posturais) e dos modelos matemáticos e estatísticos com objetivo de inferir sobre o sistema nervoso simpático e parassimpático cardíaco. Desta forma, as modificações nos padrões de variabilidade da frequência cardíaca podem contribuir como mais uma modalidade clínica na identificação dos agravos a saúde cardiovascular.

Palavras-chave:

Variabilidade da frequência cardíaca.

Exercício físico.

Sistema nervoso simpático.

Sistema cardiovascular.


Contacto:

V.R.F.S. Marães

QNN 14 Área Especial. Ceilândia Sul- CEP 72220-140 Brasília - DF- Brasil.

E-mail: veraregina@unb.br

Historia del artículo:

Recibido el 31 de agosto de 2009

Aceptado el 5 de octubre de 2009

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