Rev Andal Med Deporte. 2021; 14(4): 238-241


Revista Andaluza de

Medicina del Deporte

 

https://ws208.juntadeandalucia.es/ojs

 

Original

Barreiras para a prática de atividades físicas entre usuários de substâncias psicoativas

G. H. L. Matiasa*, R. M. C. Fonsecab

a Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Brasil.
b Universidad Federal de Pernambuco. Brasil.



INFORMAÇãO sobre o artigo: Recebido a 24 de março de 2020, Aceite a 28 de abril de 2020, online a 5 de maio de 2020

 

 

RESUMO

Objetivo: Verificar as barreiras que influenciam a não realização de atividade física no tempo livre entre usuários de substâncias psicoativas.

Método: 144 indivíduos com média de idade de 44.3±12.6 anos foram entrevistados respondendo um questionário que verifica as barreiras para a prática de atividades físicas. Foi aplicado o teste Qui-quadrado de independência aceitando um p<0.05 como significativo.

Resultados: Os dados mostraram que há associação entre as sentenças do questionário e o padrão de resposta dos indivíduos [x2(13)=193.88; p≤0.001]. Foi encontrada significância como barreira para prática de atividade física o cansaço físico, falta de companhia, falta de incentivo familiar e acometimento de dores leves ou mal-estar. Por outro lado, a falta de tempo, fator climático, não disponibilidade no ambiente, não disponibilidade de equipamento e falta de habilidade física foram apontados, significativamente, como não serem barreiras para a prática de atividade física em usuários de substâncias psicoativas.

Conclusão: A partir destes dados será possível estabelecer estratégias mais efetivas para a promoção da prática de atividade física nesta população.

Palavras-chave: Serviços Saúde Mental; Transtornos Relacionados Uso Substâncias; Atividade Física.

 

Barreras para la actividad física en consumidores de sustancias psicoactivas

RESUMEN

Objetivo: Verificar las barreras que influyen en los usuarios de sustancias psicoactivas para no utilizar su tiempo libre para practicar actividad física.

Método: 144 personas, con edad de 44.3 ± 12.6 años, respondieron a un cuestionario sobre las barreras para la practica de actividad física. Se aplicó el test de independencia de chi-cuadrado, aceptando como significativa um valor de p<0.05.

Resultados: Los datos muestran que existe asociación entre las sentencias del cuestionario y el patrón de respuesta de los individuos [x2(13)=193.88; p≤0.001]. Se consideró significativa la existencia de barreras para la práctica de actividad física como el cansancio físico, la falta de un compañero y motivación familiar, padecimiento de dolores o malestar ligeros. Por otro lado, la falta de tiempo, el factor climático, la indisponibilidad en el medio ambiente, la falta de equipos y de entrenamiento físico no fueron señalados de manera significativa como barreras para la práctica de actividad física en usuarios de sustancias psicoactivas.

Conclusión: En base a estos datos, será posible establecer estrategias más efectivas para promover la práctica de actividad física en esta población.

Palabras Clave: Servicios Salud Mental; Trastornos Relacionados Sustancias; Actividad Motora.

 

Barriers to physical activity among users of psychoactive substances

ABSTRACT

Objective: To verify the barriers that influence the non-performance of physical activity in free time among users of psychoactive substances.

Methods: 144 individuals with a mean age of 44.3±12.6 years were interviewed by answering a questionnaire that checks the barriers to physical activity. The Chi-square test of independence was applied accepting a p<0.05 as significant.

Results: The data showed that there is an association between the sentences of the questionnaire and the response pattern of individuals [x2(13)=193.88; p≤0.001]. Significance was found as a barrier to physical activity the physical tiredness, lack of company, lack of family incentive and involvement of mild pain or discomfort. On the other hand, lack of time, climatic factor, non-availability in the environment, non-availability of equipment, and lack of physical ability were significantly pointed out as not being barriers to the practice of physical activity in users of psychoactive substances.

Conclusion: From these data it will be possible to establish more effective strategies for the promotion of physical activity in this population.

Keywords: Mental Health Services; Substance-Related Disorders; Motor Activity.

 

 

Introdução

As substâncias psicoativas (SPA), mais popularmente conhecidas como drogas, possuem a habilidade de agir sobre os neurônios por meio de neurotransmissores1. Isso decorre da estimulação/inibição que cada substância provoca no organismo, que pode resultar em alterações no aspecto motor como diminuição da força muscular, coordenação e equilibrio2.

Para minimizar os efeitos decorrentes do uso de SPA, a prática de atividade física (PAF) surge como uma condição para modificar alterações físicas e mentais de indivíduos dependentes químicos3,4. Por meio da PAF há melhoria na qualidade do sono em usuários de álcool3 e melhoria da capacidade cognitiva em usuários de cocaína e crack4.

Apesar dos benefícios que a PAF pode promover entre usuários de SPA, a taxa de participação ainda é baixa5 e isso pode ser influenciado pelas barreiras para a PAF. De modo geral, existem as barreiras intrínsecas (ligado ao próprio individuo) e extrínsecas (ligado a fatores externos) que podem interferir na realização da atividade física (AF)6, como por exemplo a falta de tempo e as obrigações familiares7 que são barreiras extrinsecas para a população em geral.

Entretanto, essas duas barreiras não podem ser extrapoladas para grupos especificos, pois efeitos colaterais do tratamento oncológico, falta de companhia e receio da criminalidade foram as principais barreiras para a PAF de sobreviventes de câncer de mama8, indivíduos universitários9 e adultos obesos10, respectivamente. Com isso, o mesmo pode ser entendido para os usuários de SPA, principalmente pelo fato de que a maioria destes indivíduos são desempregados e solteiros11.

O estudo de Silva5, realizado em Recife, mostrou que os indivíduos que frequentavam os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS-AD) realizavam práticas corporais durante o atendimento e eram estimulados a também praticar em horários diferentes, entretanto somente 36.8% seguiam essas recomendações. Porém, o estudo não avaliou as barreiras para a PAF e essa lacuna pode dificultar a adoção de estratégias mais eficientes para estimular a PAF entre usuários de SPA.

Além disso, mesmo o município de Recife oferecendo 33 polos para PAF de base comunitária e 6 centros de tratamento para usuários de SPA12, não existe interligação entre os serviços, com isso os indivíduos que frequentam os CAPS-AD precisam procurar os polos para PAF por conta própria, o que também pode incidir numa barreira. Portanto, como ainda não há um entendimento sobre as barreiras para a PAF numa população com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de SPA, o objetivo do presente estudo é verificar as barreiras que influenciam a não realização de AF no tempo livre de usuários de SPA.

 

Método

Estudo transversal prospectivo aprovado no comitê de ética do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) com parecer de nº 3.568.392 foi realizado em quatro CAPS-AD do município de Recife/PE. A coleta dos dados foi realizada entre os meses de outubro a dezembro de 2019. Os CAPS-AD são centros de tratamento para indivíduos dependentes químicos e são constituídos por equipes multiprofissionais (médicos, psiquiatras, enfermeiros e também, por quatro desses profissionais: terapeuta ocupacional, psicólogo, assistente social, pedagogo e profissional de educação física) que realizam atendimentos terapêuticos em grupo e/ou individual13.

Foram entrevistados indivíduos que possuem transtorno decorrente ao uso abusivo de SPA registrado em prontuário por meio da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Para o cálculo do tamanho da amostra foi realizado censo (outubro/2019) do quantitativo de usuários admitidos nos CAPS-AD do município de Recife/PE. Foi obtido um quantitativo de 685 usuários nos serviços, aceitando um nível de confiança de 80% e um erro de 5%, foi calculada uma amostra mínima de 133 indivíduos. Posteriormente a identificação deste dado, a seleção de usuários em cada serviço deu-se por meio de amostragem por cotas, respeitando a proporcionalidade entre usuários admitidos em cada serviço ao quantitativo estipulado.

A pesquisa teve como critérios de inclusão: indivíduos de ambos os sexos, ter idade acima de 18 anos, estar frequentando um CAPS-AD e ser classificado no questionário Global Physical Active Questionare (GPAQ)14 como inativo ou insuficiente ativo. Os usuários que atenderam estes pré-requisitos foram conduzidos para realizar a entrevista. Após explicitar os objetivos e benefícios deste estudo com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os indivíduos responderam um questionário socioeconômico e dois questionários que versam sobre o nível de AF (GPAQ) e sobre as barreiras para a PAF. A inclusão e acompanhamento dos participantes são apresentados na Figura 1.

As entrevistas foram individualizadas e realizadas pelo próprio pesquisador em sala reservada durante o horário de atendimento nos CAPS-AD. Os indivíduos que atenderam os critérios de inclusão, responderam o questionário proposto por Martins e Petroski15. Esse questionário mensura a percepção de barreiras para a PAF por meio de quatorze sentenças com as opções “sempre”, “quase sempre”, “as vezes”, “raramente” e “nunca”.

Para a análise estatística, foi adotado a classificação das respostas “sempre” e “quase sempre” como “sim” e as respostas “as vezes, “raramente” e “nunca” como “não”, para identificação de uma barreira percebida para a PAF. Foi realizado estatística descritiva para caracterização da amostra e aplicado o teste Qui-quadrado de independência. Foi aceito um p<0.05 como significativo. Toda a análise foi realizada no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0.

 

Resultados

 

Foram entrevistados 159 sujeitos, entretanto, foram identificados 15 indivíduos que não atendiam aos critérios de inclusão do estudo e foram excluídos. A amostra final foi de 144 indivíduos (44.3±12.6 anos).

 

Figura 1. Fluxograma de captação e acompanhamento dos participantes do estudo.

 

Na Tabela 1, são apresentadas as características de base dos participantes, nota-se que a maioria desta população faz uso de álcool 67 (46.5%) e interromperam seus estudos no ensino fundamental II 51 (35.4%).

Pelo teste qui-quadrado de independência foi observado que há associação entre as sentenças do questionário de barreiras para a PAF e o padrão de resposta dos indivíduos[x2(13)=193.88; p≤0.001]. Foi encontrado significância como barreira para PAF o cansaço físico, falta de companhia, falta de incentivo familiar e acometimento de dores leves ou mal-estar (Tabela 2).

 

 

Tabela 1. Características de base dos usuários dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas

Variável

Quantitativo (N)

Porcentagem (%)

Tipo Droga Utilizada

 

Álcool

67

46.5

Crack

19

13.2

Maconha

12

8.3

Cocaína

2

1.4

Cola

1

0.7

Cigarro

12

8.3

Álcool+ outra droga

21

14.6

Duas drogas (sem álcool)

3

2.1

Múltiplas drogas

7

4.9

Total

144

100.0

Sexo

Masculino

121

84.0

Feminino

23

16.0

Total

144

100.0

Nível de Instrução

Ensino Fundamental I Incompleto

16

11.1

Ensino Fundamental I Completo

13

9.0

Ensino Fundamental II Incompleto

51

35.4

Ensino Fundamental II Completo

17

11.8

Ensino Médio Incompleto

12

8.3

Ensino Médio Completo

19

13.2

Educação de Jovens e Adultos (Realizando)

5

3.5

Ensino Superior Incompleto

2

1.4

Analfabeto

9

6.3

Total

144

100.0

 

 

Tabela 2. Barreiras percebidas para a prática de atividades físicas.

Categoria

Quantidade / Resíduos

Resposta

Não

Sim

Cansaço físico

Quantidade

80

64*

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-6.2

6.2

Dores leves

Quantidade

88

56*

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-4.6

4.6

Falta de companhia

Quantidade

81

63*

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-6.0

6.0

Falta de habilidade

Quantidade

142*

2

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

6.5

-6.5

Falta de incentivo de familiares

Quantidade

91

53*

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-4.0

4.0

Falta de interesse

Quantidade

110

34

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-0.1

0.1

Falta de recursos financeiros

Quantidade

102

42

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-1.7

1.7

Falta de segurança

Quantidade

118

26

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

1.5

-1.5

Falta de tempo

Quantidade

126*

18

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

3.2

-3.2

Fator climático

Quantidade

133*

11

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

4.6

-4.6

Lesão física

Quantidade

117

27

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

1.3

-1.3

Mau humor

Quantidade

109

35

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

-0.3

0.3

Não disponibilidade de equipamento

Quantidade

125*

19

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

3.0

-3.0

Não disponibilidade no ambiente

Quantidade

124*

20

Quantidade Esperada

110.4

33.6

Resíduos ajustados

2.8

-2.8

*: Teste qui-quadrado, observado associação.

 

Discussão

 

O objetivo do presente estudo foi verificar quais as principais barreiras percebidas por usuários de SPA para a PAF. A amostra deste estudo foi predominantemente composta por homens, isso se deve ao fato de que neste tipo de serviço a maioria dos frequentadores são homens16. As características dos participantes são similares às reportadas em outros estudos com usuários de SPA tanto na faixa etária11, sexo16, principal substância utilizada11 e nível de instrução16.

Os resultados mostraram que o acometimento de dores leves ou mal-estar, a falta de companhia, a falta de incentivo familiar e o cansaço físico são as principais barreiras para a PAF por usuários de SPA.

O acometimento de dores leves ou mal-estar é uma barreira (intrínseca) ligada a utilização de SPA. Quase metade dos avaliados (46.5%) apontaram o consumo de álcool como principal droga utilizada e quando isso é feito de forma abusiva, faz com que o organismo utilize a enzima cytochrome p450 2E1(CYP2E1) para metabolizar as substâncias ingeridas, o que acarreta em um ambiente oxidativo17. Estudos mostraram que o consumo abusivo de álcool prejudica o sistema cardíaco, por meio do aumento da pressão arterial, apoptose e estresse oxidativo17 e o sistema digestivo com a ocorrência de esofagite e sintomas de azia18.

Outra barreira intrínseca percebida para a PAF foi o cansaço físico, o que é um sintoma recorrente em usuários de álcool1. Além dos prejuízos já mencionados, o uso abusivo desta substância influência de forma negativa o sono do indivíduo. Apesar de promover uma sedação inicial, o álcool afeta o ciclo circadiano e atua no sono REM, gerando um sono não reparador e consequentemente levando ao cansaço físico1,19. Já o uso de crack, quando utilizado de forma abusiva, pode promover sedação a dore ao cansaço, entretanto, na fase da abstinência acarreta em uma experiência inversa, ocasionando o cansaço físico1.

A falta de companhia e a falta de incentivo de familiares ou amigos foram identificadas como as barreiras extrínsecas para a PAF. A falta de companhia também foi identificada como uma barreira para universitários9, entretanto, no caso do presente estudo, essa condição pode ser devido ao uso excessivo da SPA que afasta tanto os amigos quanto a família de forma que eles sintam-se sós20. Portanto, o apoio social e a companhia de outras pessoas são determinantes para a PAF, tanto para a poulação em geral21 quanto para usuários de SPA.

Os achados do presente estudo sugerem que as prescrições de AF realizadas para usuários de SPA devem possuir maior cautela na intensidade e sobrecarga, a fim de diminuir os riscos de mal-estar e cansaços excessivos. Outro ponto importante, são as ações nos grupos terapêuticos direcionadas a amigos e familiares dos frequentadores dos CAPS-AD, para que estes possam incentivá-los ainda mais para a PAF. Além disso, reforça para os serviços púbicos a necessidade de implementação de profissionais de educação física nos CAPS-AD, já que não é habitual encontrá-los nas equipes multidisciplinares2.

Uma limitação do presente estudo foi não ter questionado se a condição de não realizar AF era um comportamento anterior ao uso de SPA ou se foi em decorrência da dependência, entretanto isso não influencia nos resultados reportados pelos frequentadores do CAPS-AD. Por fim, o estudo identificou que o acometimento de dores leves ou mal-estar, a falta de companhia, a falta de incentivo familiar e o cansaço físico são as principais barreiras para a PAF entre usuários de SPA.

 


Autoria. Todos os autores contribuíram intelectualmente no desenvolvimento do trabalho, assumiram a responsabilidade do conteúdo e, da mesma forma, concordam com a versão final do artigo. Financiamento. Os autores declaram não haver apoio financeiro. Conflito de interesses. Os autores declaram não haver conflito de interesses. Origem e revisão. Não foi encomendada, a revisão foi externa e por pares. Responsabilidades Éticas. Proteção de pessoas e animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estão de acordo com os padrões éticos da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinque. Confidencialidade: Os autores declaram que seguiram os protocolos estabelecidos por seus respectivos centros para acessar os dados das histórias clínicas, a fim de realizar este tipo de publicação e realizar uma investigação / divulgação para a comunidade. Privacidade: Os autores declaram que nenhum dado que identifique o paciente aparece neste artigo.


 

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Autor para correspondência.

Correios eletrónicos: guilhermehenriquelm@yahoo.com.br (G. H. L. Matias).

 

https://doi.org/10.33155/j.ramd.2020.04.010

© 2021 Consejerı́a de Educación y Deporte de la Junta de Andalucı́a. Este é um artigo Open Access sob uma licença CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)